quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
A ruína de Babel
Sobre a amizade
Rafael de Paula
Carta ao Sr. Joaquim Carvalho - Carta II
Por outro lado, não posso deixar de me entristecer pela partida de teu irmão e, ainda, pelas infelizes notícias que me chegaram por meio da última carta que me mandaste. Realmente estás tão mal? Tens tão pouco tempo? Infelizmente, não posso sair daqui. A cidade grande nos exige muito, nos suga até a última gota de suor e de sangue. O trabalho na fábrica de parafusos é extenuante e o salário é quase indigno, mas que posso eu fazer, já que foi escolha minha cá estar a viver? Devo encarar como homem as coisas que essa vida me impõe e assumir a responsabilidade por minhas decisões. Mas, confesso, eu era mais feliz aí, junto a ti e à minha família. Portanto, não te enganes com a cidade grande. Grande de tristezas, de frustrações e de solidão.
Os sonhos grandes acabaram comigo, caro amigo. Imaginei achar cá grandes oportunidades, grandes pessoas, grandes coisas. Mas o que encontrei foi gente pobre, sofrida e triste. Encontrei uma cidade cinzenta, tal como o coração dos seus habitantes. Evito as faces sorumbáticas que me encaram como que a sustentar um desafio tácito. Desafio à que? Que querem eles me tirar, se já não possuo mais nada além da pouca dignidade que me resta? Os homens aqui lutam somente pelo orgulho, pois não há nada que valha a pena, a labuta e a peleja. É assim que estão os homens: encaram-se e se destroem pela mera afirmação de si. Pela afirmação de nada. E se perdem nesse digladiar inútil. São assim as pessoas da cidade grande. Não têm história, não têm tradição, não têm dignidade. O passado destes homens se perdeu e com ele se perdeu a – sua – humanidade. É por isso que me lembro com alegria dos meus pais e da bonita história da nossa pequena cidade. Um povo que veio retirado – e não fugido, como dizem algumas más línguas! Povo bravo e heroico esse nosso! Lembro-me, também, com gosto dos bailes que movimentavam toda a vila, que faziam as damas se sacolejarem todas de excitação, que causava todo um rebuliço, que trazia esperança aos olhos dessa gente pobre, sofrida, mas feliz. Recordo-me com lágrimas nos olhos das épocas de colheita, quando todos se amontoavam debaixo dos pés de café – que nos eram tão preciosos –, sendo que hoje, tudo que colho é desprezo, rancor e parafusos. Seria eu mais feliz com sonhos pequenos em uma cidade pequena. Ambos do meu tamanho, e talvez pelo reconhecimento disso eu engrandeci. Talvez o reconhecimento da nossa pequenez e de que dependemos do outro nos torne grandes. Sou pequeno, por isso sou grande. E as pessoas da cidade não percebem isso. E ainda: acham que a grandeza vem do grande. Por isso, discordo de ti, mais precisamente, discordo veementemente do que tu me disseste na carta anterior. Portanto, não te iludas com a cidade grande.
Acácia cá esteve, junto a mim. Conversamos, bebemos e, depois, transamos. A amada de teu irmão esteve nos meus braços, esquentou meu corpo e me deu mais que o seu amor. Deu-me o que era de seu irmão. Mas a vida é assim: tomamos coisas que não são nossas achando que as são; damos muitas coisas a quem não quer ou que delas não precisam; enfim, erramos. Mas temos o direito de nos redimir. Ao menos uma chance merecemos. Eu e Acácia tentamos nos redimir com a carta que enviamos ao teu irmão. Post mortem, claro, mas pelo menos aliviamos um pouco nossas consciências que, confesso, ainda pesam. Nossas desculpas foram enterradas com ele e nem mesmo o mais poderoso terremoto será capaz de exumá-las. Estou certo de que fomos perdoados. Teu irmão era um homem grande, de coração enorme. E partiu feliz, apesar de tudo.
Mas pergunto: e Alice, respondeu-te? Acredito que não. Mas perdoa-a. Com certeza, em seu caixão, haverá uma carta de resposta. E quem sou eu para te dar conselhos? Mas é por me recolher à minha insignificância que te digo: vive bem com o que tens, esquece-te do que poderias ter tido e do que terás. Vive bem com o que tens, pois aos homens não são destinadas muitas coisas nesse mundo. Esse é o maior sonho que podemos ter e é também a coisa mais difícil a ser alcançada pela nossa condição humana.
Amigavelmente,
Sr. Ruas
P.S.: Aqui reescrevo o que escrevi na carta ao teu irmão, de forma integral e precisa:
“Minhas sinceras desculpas por roubar o que era, sempre foi e seria teu.
Ass.: Sr. Ruas
Minhas sinceras desculpas por não ter sido sua, sendo que isso foi o que sempre quis. Minhas sinceras desculpas por não ter te dado o meu amor, que sempre foi seu não sendo.
Nossas sinceras desculpas por sermos humanos e, por isso, temos certeza de que há de nos perdoar. Perdoa também o teu irmão, que, com toda a certeza, sofre muito mais que ti.
Ass.: Acácia e Sr. Ruas”
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Carta ao Sr. Ruas - Carta I
Já adianto que me sinto envergonhado pelo tempo que não dou notícias. Suas cartas se acumulam já empoeiradas em minha estante, mas guardadas com o zelo que elas merecem. Todas elas lidas de canto a canto, com cuidado inestimável, mas nenhuma delas respondida. Não por indolência, mas por motivos pessoais sérios que roubaram de mim todas as forças para viver e retribuir quaisquer gestos de estima e de amizade, como os seus. Então, minhas sinceras desculpas. Em busca de me redimir, vou lhe contar uma estória, ocorrida aqui mesmo na nossa cidade de onde já partiu, na qual ainda permaneço. Enraizado como duras raízes de velhas árvores, nunca saí daqui. Diferentemente de você, não tenho sonhos grandes e nem o talento necessário para ter esse tipo de sonho. Se os tivesse, me arrebentaria todo nos impávidos tijolos da realidade. Mas contarei uma estória dessas que não se vê comumente, muito menos na cidade grande.
sábado, 17 de setembro de 2011
Sobre deuses e homens
Rafael de Paula
sábado, 6 de agosto de 2011
Sobre a espera
sábado, 30 de julho de 2011
À procura do eu (des)conhecido
Rafael de Paula
À procura do eu (des)conhecido
sábado, 16 de julho de 2011
À procura do eu (des)conhecido
domingo, 26 de junho de 2011
À procura do eu (des)conhecido
sábado, 25 de junho de 2011
À procura do eu (des)conhecido
quinta-feira, 23 de junho de 2011
À procura do eu (des)conhecido
Parte I – A sombra
O despertador tocou alto, incômodo. Na verdade, o que mais atormentava naquela cena era a impassibilidade do sujeito deitado na cama diante de ruídos tão escandalosos. Pausa. O cenário fica mais leve sem o toque do maldito relógio. Era como se tudo aquilo que ali estava, imóvel, fossem eles seres animados ou inanimados, aproveitassem essa calmaria de momento. Afinal, a calmaria nada mais é do que o prenúncio da tempestade. Dito e feito. Recomeça o toque do despertador. Como antes, nenhuma reação do indivíduo deitado. Estaria ele a passar bem? Não há cansaço normal que explique tamanha apatia diante dos irritantes barulhos de um despertador. Pessoa normal, por mais fatigada que estivesse, tomaria alguma atitude. Talvez - por que não poderíamos nós inferir coisas sobre a personalidade de alguém tomando em conta apenas uma impressão momentânea? – o homem que ali vivia fosse assim diante da maioria das situações que se lhe apresentam na vida. Mas são apenas hipóteses. Então, por ora, abandonemo-las. Cessa o despertador. Pelas contas da vizinha de cima, do quinto andar, falta, ainda, um recomeço de despertador, até que cesse, automaticamente, pela última vez nessa manhã, desistindo de levantar aquele moribundo da cama.
terça-feira, 19 de abril de 2011
Sobre o menino, o poeta e a flor
“Devia fazer como o poeta, menino. Vá cuidar das coisas sérias e me esqueça, pois aqui estou bem”, insistia a flor, depois do episódio com o poeta. “E você, flor. Quando foi que ficou assim? Quando foi que perdeu sua simplicidade e pureza? É por terem perdido a singeleza e pureza que os homens grandes ficaram assim, tristes, sozinhos e cruéis consigo e com os outros. É por serem sérios demais que os homens estão ficando cada dia mais angustiados e sós. E, agora, não faz mais sentido ficar ao seu lado. Você perdeu aquilo que mais admirava em ti. Em sua seriedade, perdeu a vida”, disse o menino, para depois se levantar. Antes de ir embora, disse ao passarinho: “Com que direito feriu o poeta? Quem pensa que é para condená-lo da forma como o fez? É por isso que sempre achei as pessoas grandes muito esquisitas, muito egocêntricas e cheias de si. O mundo pode ter perdido a chance de ler o relato da mais bela flor, uma flor que não existe mais nas esfumaçadas cidades e nem nos acinzentados corações daqueles que a habitam. Tolheu-lhes o direito à fantasia, ao sonho”. E o menino partiu. A flor, sozinha, via o menino sumir na linha do horizonte, indo sei-lá-pra-onde, enquanto percebia que, com sua seriedade, expulsou todos aqueles que lhe queriam bem. Tal como os homens sérios, padecia em sua solidão. E reparou no passarinho, que caminhava, dissimuladamente, na sua direção. E o poeta, como não pôde falar da rosa, escreveu uma bela poesia sobre o menino que se mantinha, resoluto, ao lado da mais fria flor.
terça-feira, 12 de abril de 2011
Sobre O encontro marcado
Todos nós temos um encontro marcado. Levados por contingências, por vezes, perdemos a direção da nossa vida; ficamos com o motor, mas passamos o volante para o destino. Inexorável. Retomamos e perdemos o controle por várias vezes. Uma circularidade inevitável da vida.
Na infância, caso esta seja saudável, os homens ocupam-se apenas dos seus sonhos e fantasias. Imaginam ser tudo que tem direito; querem ser como papai, como mamãe; astronautas; jogadores de futebol; modelos; atores, atrizes. E fantasiam, inventam e, por isso, vivem. É a única fase em que o ser humano tem a capacidade de tocar o outro pela singeleza da sua existência. Na adolescência querem mudar o mundo e, paralelamente, buscam, ansiosos, o sentido da vida e da nossa existência. Continuam com os mesmos sonhos e devaneios da infância, mas desta vez com um propósito, um objetivo. Dotado de uma vontade e desejos inexpugnáveis, inspirado nos heróis (idealizados, como todo bom herói da adolescência deve ser), o jovem quer mudar o mundo e tem certeza absoluta de que irá fazê-lo. Pouco mais adultos, já se veem adentrando no tecido social. Veem seus sonhos do outro lado do pano, percebendo um avanço que demandará, inevitavelmente, a ruptura de alguns dos laços sociais. Em outras palavras, se verão obrigados a ir contra o senso comum. Na vida adulta propriamente dita, veem-se tolhidos da busca dos seus ideais: os laços sociais que impedem o alcance dos seus objetivos estão mais fortalecidos, assim como ele se encontra mais embaraçado nessa rede de interconexões até certo ponto inevitáveis. É aí que percebem o abismo existente entre o que queriam ter sido na infância e o que se tornaram. É como se acordassem, repentina e subitamente, de um devaneio que se arrasta desde o nascimento. Aí vêm as perguntas existenciais: “que tenho feito da minha vida até hoje?”; “o que busco?”; “o que alcancei?”; “quem gostaria de ser?”; e, finalmente, “quem sou?”. É aí que percebem que não mudaram o mundo e que, mais triste ainda, estão longe de mudar. É aí que buscam um sentido para sua existência, uma busca dotada de mais temperança e equilíbrio do que aquela que caracteriza a adolescência. Finalmente, na velhice, compreende-se que a incapacidade de mudar o mundo não decorre de deméritos individuais, mas sim da naturalidade da vida humana. Concluem que seus atos não têm tanto peso como imaginavam – ou queriam – e que isso é o esperado de um ser humano. Compreendem que são poucas as coisas que realmente importam. Encontram-se consigo e com o outro. Espantam-se ao olharem para trás e verem os caminhos aos quais o destino os levou. Um destino dentre vários destinos. Destinos escolhidos, até certo ponto. Por vias tortuosas, alcançam seu encontro marcado.
Todos nós temos um encontro marcado. Não que já nasçamos com um destino previamente traçado, imutável, no qual aguardamos, hirtos, a sua consecução. Temos um encontro marcado com o destino. Ou melhor: com os destinos.
Rafael de Paula
sexta-feira, 1 de abril de 2011
Sobre um observador
Anda pelas ruas a fingir-se de despercebido, distraído e, por que não, desinteressado. Muito pelo contrário. Seu olhar perspicaz nada deixa escapar ou, se deixa, é simplesmente pela incapacidade, ou melhor, limitação humana de aperceber-se de tudo ao mesmo tempo. Fato é que o mais importante não havia de passar batido à atenção daquele que andava por aí espiando as pessoas. Não digo espionar no sentido mesquinho, torpe ou interesseiro. Mas no sentido de entender essas coisas magníficas que são os seres humanos. Magníficas, mas complexas. Quanto mais difícil, mais ele empenha-se em sua busca. Quanto mais fechado é aquele que se torna objeto de sua contemplação e reflexão, mais objeto ele se torna.
No ônibus, coloca o fone de ouvidos. Na sala, debruça-se sobre os livros e, quando não faz isso, esparrama-se sobre a carteira. Nas festas, dificilmente se embriaga em demasia – deixa para fazer isso em ambientes familiares, com aqueles que podem ser considerados verdadeiros amigos. É tudo parte da sua fantasia, do seu disfarce. Não quer que percebam o quanto ele se interessa por nós. Por medo de perder seus objetos de contemplação. Por medo que as pessoas percebam esse seu interesse e não compreendam a sua natureza. E se fechem, impossibilitando-o de fazer o que mais gosta. Caso descobrissem o que ele faz, as pessoas se fechariam, ficariam desconfiadas, arredias e, por que não, injuriadas. Quem não entende seus propósitos poderia sentir-se ofendido. “Afinal, com que direito este sujeito vem e rouba aquilo que tenho de mais secreto, mais íntimo e mais precioso?”. É o que pensariam. Como seres humanos, estamos abertos ao outro, mas até certo ponto. O verdadeiro observador vai além. Propõe hipóteses para tudo, sendo que algumas ele mesmo refuta tendo-as como mirabolantes. Outras refuta ao compartilhar com outro a opinião. Outras acerta em cheio, como uma flecha certeira que atinge o coração da sua presa. Chega ao âmago do ser, ainda que demore anos. Ainda que demore alguns minutos.
Mas para chegar ao outro, tocar a alma das outras pessoas, para se tornar um observador, não basta dedicar-se obstinadamente à análise alheia. Antes, é preciso, primeiramente, investir-se numa exploração interna, numa operação ao centro da própria alma. Uma busca nada fácil, diga-se de passagem. Uma procura que envolve admitir fraquezas, reconhecer medos, aperceber-se dos erros. Mas envolve a percepção do quão longe se pode chegar. E o observador nato, verdadeiramente eficiente, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, deve começar por ele mesmo a sua incessante busca por “não-sei-o-que”. Quem sabe um dia ainda cheguemos lá.
Rafael de Paula da Silva
quinta-feira, 10 de março de 2011
Sobre o carnaval
Acabou nosso carnaval. Ninguém ouve cantar canções. Ninguém passa mais brincando feliz e, nos corações, saudades e cinzas foi o que restou. Pelas ruas o que se vê é uma gente que nem se vê e nem se sorri, se beija, se abraça, e sai caminhando, dançando e cantando cantigas de amor. Sim, acabou, e o que nos resta é escutar a triste marcha da quarta-feira de cinzas. Uns sentem-se felizes depois de tudo que passaram; outros choram; outros refletem; outros se arrependem. Outros se entristecem pelo que não passaram; outros, pelo mesmo motivo, sorriem.
O que importa mesmo é o que tiramos disso tudo. Na verdade, o importante é fazer, constantemente, nossos próprios carnavais. Sem esperar, quietos, aquela semana onde todos bebem, pulam, desfilam, dançam, riem e amam. É beber, pular, desfilar, dançar, rir e amar nos diversos carnavais que acontecem várias vezes no ano.
Assim como a vida e tudo que há nela, todo carnaval tem seu fim e vem, depois dele, a quarta-feira de cinzas. Inevitável e inexorável. No entanto, é preciso cantar. Mais do que nunca. Porque são tantas coisas azuis. Há tanta coisa pra amar que a gente nem sabe! Ah, sim! Um dia, o carnaval há de voltar. Sempre volta.
Rafael de Paula
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Sobre ser duplicado
Acordar, se levantar da cama e, diante de um espelho, ver-se como uma pessoa única e singular. “Como eu não há ninguém!”, pensamos e afirmamos, categoricamente. Depois disso, sorrimos satisfeitos deste pequeno consolo para a nossa existência – uma existência, no mínimo, tola. Então, somos unicamente insignificantes e medíocres. A existência de cada um de nós é tão sem sentido quanto a dos que vieram a este mundo e que ainda virão. Enganados estão aqueles que pensam que nossa trajetória por este mundo vai deixar alguma coisa para a eternidade. Assim como nossa vida, nossas ações e pensamentos são efêmeros, transitórios e finitos. Ora, não busquemos, então, deixar uma marca para a eternidade. Busquemos deixar marcas na vida de pessoas específicas (com vidas tão efêmeras quanto as nossas) em um tempo específico. Para mim já é suficiente, e é essa “pequeneza” que faz deste um grande feito. O pequeno não se transforma em grande, mas é grande por ser pequeno.
Mas imagine um dia ver-se duplicado. Ver, andando na rua, ou numa loja, ou no cinema, ou numa festa, ou num show, ou em qualquer lugar que seja, um indivíduo exatamente igual a você. Não como gêmeos idênticos, mas como duplicatas. Com o mesmo corte de cabelo, com as mesmas cicatrizes, com os mesmos trejeitos e com a mesma forma de pensar. Que faria, então, diante de tal pessoa? Que faria ela? Quem seria a cópia e quem seria o original? Haveria algum original? Como viveria a partir de então, sabendo que existe alguém exatamente igual a ti, vivendo neste mesmo mundo e neste mesmo tempo? E, depois disso tudo, que pensar da nossa frágil unicidade? Se não somos únicos, o que somos?
Diante desta situação hipotética nada original, o que cada um de nós faria? Ou, ainda, como imaginaríamos que as pessoas que conhecemos agiriam nesta situação? Como já foi dito, perderíamos a singularidade da qual tanto nos orgulhamos. Veríamos que não somos tão especiais assim. A sensação deve ser terrível. Mas vamos sair desta situação hipotética e part5r para uma outra concreta. Somos duplicados todos os dias por pessoas diferentes. “Fulano é igual ciclano”; “Veja, aquelas duas pensam da mesma forma”; “O público alvo deste CD são os alternativos”; “Tinha que ser favelado!”; “Pra estudar psicologia tem que ser meio doido”. Generalizamos e, assim, duplicamos, triplicamos. Num estádio de futebol, assistindo a uma partida, todos ali são atleticanos, ou cruzeirenses, ou mirassoienses (?). Enfim, torcedores. Ali, são todos iguais. “A torcida do atlético é fanática”; “A torcida do cruzeiro é exigente”. Nessas palavras, cada um de nós está incluído num grupo e, necessariamente, para quem generaliza, é igual aos outros. “Se você é psicólogo, logo, você é meio doido”; “Se você é torcedor do atlético, você é fanático”. O que é injusto. Sou atleticano mas não sou fanático. Sou estudante de psicologia mas não sou doido (?). Mas para a tendência e necessidade categorizadora humana, sou tudo isso que disse não ser. Para os outros. E sentimo-nos ofendidos com tal categorização. Afinal, sou estudante à minha maneira; torcedor à minha maneira. Paradoxalmente, para mim, estudante é tudo a mesma coisa, torcedor é sempre igual e emo é sempre emo. Odiamos ser categorizados, mas fazemos isso com os outros (tal como acabei de fazer com os emos). Assim, em todos os lugares, teremos alguma duplicata, seja em um ou mais aspectos.
Perdemos um pouco da nossa identidade a cada encontro. Portanto, ela se encontra fragmentada: um pedaço cá, outro acolá e um outro num lugar desconhecido. As identidades se fragmentam e se reúnem, mesclam-se, condensam-se e separam-se de novo. Somos menos originais do que imaginamos. Somos menos singulares do que gostaríamos. Mas ainda assim, de uma forma ou de outra, somos únicos. Somos suficientemente únicos para nós. À nossa maneira. Mas, ao mesmo tempo, insuficientemente únicos para o outro e, consequentemente, em alguns momentos, para nós mesmos. Então, contínua e ininterruptamente, tentamos provar nossa singularidade e, em alguns momentos, até mesmo criá-la, pensando que ela não existe. Estaremos sempre diante da dúvida entre “ser”, “não ser”, “tentar ser” e “provar ser”. Até o fim dos nossos dias.
Rafael de Paula
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Sobre não ser
Rafael de Paula
domingo, 9 de janeiro de 2011
Sobre votos e esperanças do Ano Novo
“Que esse ano que chegou traga muitas felicidades e realizações”. A mensagem é linda. Dizemos isso a todas aquelas pessoas que gostamos na virada do ano (se falar alguns dias antes ou alguns depois também vale) e, na maioria das vezes, esses votos são realmente sinceros. Não acho tais felicitações hipócritas ou vãs. São felicitações mútuas entre pessoas que se gostam (claro que pode haver algum toque de falsidade e hipocrisia, mas tais sentimentos merecem apenas esse anexo neste texto. Deixar-los-ei para trás, jogados e esquecidos). Ano novo, natal, aniversário, todas essas datas comemorativas (dentre outras das quais não me recordo) nos proporcionam um momento oportuno para desejar coisas boas às pessoas. Coisas que gostaríamos de falar sempre que não encontram muitos momentos para serem ditas. Imagine uma pessoa que, ao chegar no trabalho, cumprimente cada um, todos os dias, e deseje saúde, paz, felicidade, amor, dinheiro, dentre outros. São votos implícitos, num acordo tácito, que não necessitam ser ditos todos os dias ou até mesmo em ocasiões especiais. Se gostamos de alguém, revelar-lhe que queremos o seu bem é algo inútil e até redundante: gostar é querer bem. Mas pela tradição, fazemos isso e continuaremos a fazer, até o dia em que as pessoas percebam que basta dizer “gosto muito de você”.
Dito que o Ano Novo é apenas uma oportunidade de desejar bem às pessoas queridas e amadas, que dizer das nossas promessas (geralmente nunca cumpridas) para o ano que acabou de chegar? “Vou estudar mais”, uns dizem. “Vou ser uma pessoa mais calma”, dizem outros. O que realmente muda na passagem do dia 31 de Dezembro para o dia 1 de Janeiro? Em nós, praticamente nada. É só a esperança que se renova. É a esperança de ter um ano melhor do que tivemos. Assim, a própria festa de réveillon ou mesmo a ceia natalina entram no campo do simbólico. Elas representam essa renovação da esperança. E festejamos – sim, festejamos a esperança. E ao festejá-la, a colocamos em um patamar mais elevado. Jogamos para o simbólico um pouquinho das responsabilidades de trazer coisas boas na nossa vida. É como quem diz: “To cansado de ficar correndo atrás de tudo. Então, me dá um pouco, por favor?”. Afinal, “esse ano as coisas têm – sim, não me adaptei às novas regras gramaticais – de melhorar!”. Ora, sem esperança não chegamos a lugar algum. Mas porque não renovar a esperança a cada dia? Porque não traçar metas maiores para o dia seguinte ou para a hora seguinte? Porque deixar isso ao encargo de um algo que existe no “ano novo”? É um algo que, diante de uma impotência natural do ser humano, acalma nosso espírito. Mas, no fundo, isso tudo é um pouco de desespero. De todos nós.
Rafael de Paula