quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A ruína de Babel


Vindos de vários cantos do mundo, agora aqueles homens se reuniam ali, seja por obra do acaso, do destino ou ainda por desígnios divinos. Ainda que todos estes futuros tivessem em comum o fato de serem incompreensíveis para a mente humana, cada um daqueles homens cria em alguma dessas coisas - acaso, destino ou desígnios superiores -, afinal é de direito de cada um acreditar no que bem entender. Foram dias gastos a contar, um por um, as suas estórias; com o tempo, perceberam que haviam vivido coisas muito distintas, que haviam passado pelos mais ermos pedaços de terra e que, por conseguinte, não havia muito mais o que explorar neste mundo: já tinham viajado por todos os cantos de forma que, se reunissem todas as vivências de cada um, teríamos ali a história do mundo. Mas não estavam lá muito preocupados com essas estórias do mundo viajado e vivido por cada um, pois comungavam a ideia de que o passado só nos é útil se for para, no presente, edificar o futuro.

Há de se ressaltar que, enquanto os outros pensavam sobre o que fazer agora - sendo que alguns poucos já haviam partido para outras terras - um deles, admirado, fitava o céu. Depois de absorto por um tempo que não se sabe quanto - afinal, a noção de tempo, à época, não estava lá muito bem estabelecida, ou pelo menos não era consenso -, voltou-se para os homens ao seu lado sem dizer uma única palavra; logo todos os outros entenderam o que se passava, numa compreensão tácita. Ainda que possuíssem todo tempo do mundo, não havia tempo a perder. Desde sempre o homem corre e se apressa sem saber bem o porquê; fato é que, desde que existe, o homem é assim. Enfim, tinham de se tornar célebres. Apesar de ínfimo, o homem pode ter aspirações grandes - e quem nos pode garantir que não são essas aspirações que os tem salvado, desde os tempos mais remotos, da extinção e do esquecimento?

Com tamanha pressa, ainda que incompreensível, as obras não tardaram a ter início. Dos vários cantos por onde haviam viajado, uns aprenderam sobre engenharia, outros sobre o clima, outros sobre o dia e a noite; outros sobre música, outros sobre culinária, outros sobre misticismo e mistério; outros sobre medicina e alguns outros acreditavam ter descoberto algo sobre Deus. Portanto havia conhecimento necessário para que o homem chegasse aos céus. E os homens construíam.

Não tardou para que o ser supremo deste mundo e de todo o universo se sentisse de certa forma ameaçado pela audácia humana. A construção, a cada dia de trabalho, mostrava-se mais alta e imponente diante dos olhos dos homens e dos do próprio Deus. "Agora vocês não irão mais se entender". Era a voz divina que irrompia autoritária dos céus. Atônitos, os homens não haviam compreendido bem o que havia se passado até que tentassem, em vão, se comunicar. Perceberam que falavam coisas diferentes e que o que saía das bocas de uns era incompreensível aos ouvidos dos outros. Estavam, portanto, a falar línguas diferentes. Revoltados, bradaram ininterruptamente aos céus por um tempo suficiente para incomodar até mesmo Deus, até que seus clamores foram escutados. Como poderia Deus se concentrar em seu árduo trabalho divino diante da existência dessas vozes descontentes que tanto protestavam e questionavam sua autoridade? E Deus, novamente, voltou-se para aqueles homens, ainda que apenas para observá-los.

Fartos de tanto protestar, os homens buscaram outros modos de se comunicar. Em vão. Contudo, é evidente que não havia idiomas diferentes para tantos homens e, ainda que os houvesse, o trabalho para pensar tantas variações que poderiam ser proferidas por uma mesma estrutura vocal seria, no mínimo, extenuante para Deus. Ele sabia que duas ou três destas pequenas criaturas não poderiam continuar a construção, ainda que o tentassem; e tentaram. Juntaram-se os dois que não demoraram muito para perceber que falavam o mesmo idioma e retomaram a construção. Perceberam, ainda, que tinham a possibilidade, por certo apenas um dos dois, de se tornar a autoridade ali. Aquele que mais construísse seria, portanto, o rei. Aqueles dois pareciam, contudo, não perceber duas coisas. Por certo o rei seria, inevitavelmente, solitário, pois ali os homens eram incapazes de se comunicar. De que adianta um rei que não pode escutar seus súditos e nem por eles ser escutado? Pareciam ter esquecido, também, que o ponto de chegada só poderia ser os céus.

Apesar destas duas coisas que deveriam aparecer como importantes nas cabeças daqueles dois, cada um em um dos lados da construção, começaram a trabalhar. Não tardou muito para entenderem que a tarefa dos dois se desenvolvia no mesmo ritmo, de modo que seria necessário muito tempo para que se mostrasse alguma diferença no trabalho de ambos. Mas eles tinham pressa para serem reis. Certo dia, uma das partes da construção amanheceu sem um tijolo. Na manhã seguinte, a parte do outro amanheceu sem dois tijolos. Dia seguinte, a do primeiro amanheceu sem três, e assim sucessivamente. E assim infinitamente.

Deus viu tudo aquilo e riu da Sua tolice. Devolveu aos homens a voz e o idioma único. Afinal, não importava se fossem um povo único ou se constituíssem vários povos dispersos; não importava se falassem a mesma língua ou se falassem idiomas distintos. A Torre de Babel estava arruinada muito antes da sua concepção. Apesar da imperfeição da Sua obra, Ele estava satisfeito.
 
 

Rafael de Paula

Sobre a amizade


Não se escolhe um bom amigo. Escolhe-se estar aberto, e só. O resto é o acaso, o destino, o futuro e o presente, a coincidência, a identificação, os valores, o futebol, a música, o cinema, os filmes; a confiança, a tristeza, a mágoa, a verdade, o perdão, os livros, o ócio, os planos, a alegria, o chiste e a zombaria; a pinga, as madrugadas, as histórias, as lembranças, o passado, a felicidade, a bebida, a zombaria, a poesia, o violão, a distância, o estranhamento, ódio nunca; o dinheiro, as mulheres, a bebida, a verdade, a tristeza, as histórias, o perdão e a sorte. O presente, sempre. O presente, não só nos aniversários. O futuro, mais presente ainda; mais que tudo.

Rafael de Paula

Carta ao Sr. Joaquim Carvalho - Carta II

Caro Sr. Joaquim Carvalho,


Recebi com muita alegria a última correspondência que me mandaste. Acreditei, por alguns meses, que já não se importava com minha pessoa e que minhas cartas a ti enviadas tornavam-se fardos ou importunos cujo inevitável destino era o lixo, junto de todas aquelas coisas que não precisamos, que temos asco e, ainda, vergonha. É no lixo que despejamos os dejetos daquilo que utilizamos e, portanto, daquilo que somos. No lixo está o que não presta, e mesmo assim há umas tantas quantas pessoas que se submetem a remexer e revolver o lixo dos outros. Talvez seja isso: revolver o lixo dos outros é mais fácil que fuçar a própria sujeira. Então, realmente fico feliz de minhas cartas não terem terminado ali por voluntarismo de tuas mãos.


Por outro lado, não posso deixar de me entristecer pela partida de teu irmão e, ainda, pelas infelizes notícias que me chegaram por meio da última carta que me mandaste. Realmente estás tão mal? Tens tão pouco tempo? Infelizmente, não posso sair daqui. A cidade grande nos exige muito, nos suga até a última gota de suor e de sangue. O trabalho na fábrica de parafusos é extenuante e o salário é quase indigno, mas que posso eu fazer, já que foi escolha minha cá estar a viver? Devo encarar como homem as coisas que essa vida me impõe e assumir a responsabilidade por minhas decisões. Mas, confesso, eu era mais feliz aí, junto a ti e à minha família. Portanto, não te enganes com a cidade grande. Grande de tristezas, de frustrações e de solidão.


Os sonhos grandes acabaram comigo, caro amigo. Imaginei achar cá grandes oportunidades, grandes pessoas, grandes coisas. Mas o que encontrei foi gente pobre, sofrida e triste. Encontrei uma cidade cinzenta, tal como o coração dos seus habitantes. Evito as faces sorumbáticas que me encaram como que a sustentar um desafio tácito. Desafio à que? Que querem eles me tirar, se já não possuo mais nada além da pouca dignidade que me resta? Os homens aqui lutam somente pelo orgulho, pois não há nada que valha a pena, a labuta e a peleja. É assim que estão os homens: encaram-se e se destroem pela mera afirmação de si. Pela afirmação de nada. E se perdem nesse digladiar inútil. São assim as pessoas da cidade grande. Não têm história, não têm tradição, não têm dignidade. O passado destes homens se perdeu e com ele se perdeu a – sua – humanidade. É por isso que me lembro com alegria dos meus pais e da bonita história da nossa pequena cidade. Um povo que veio retirado – e não fugido, como dizem algumas más línguas! Povo bravo e heroico esse nosso! Lembro-me, também, com gosto dos bailes que movimentavam toda a vila, que faziam as damas se sacolejarem todas de excitação, que causava todo um rebuliço, que trazia esperança aos olhos dessa gente pobre, sofrida, mas feliz. Recordo-me com lágrimas nos olhos das épocas de colheita, quando todos se amontoavam debaixo dos pés de café – que nos eram tão preciosos –, sendo que hoje, tudo que colho é desprezo, rancor e parafusos. Seria eu mais feliz com sonhos pequenos em uma cidade pequena. Ambos do meu tamanho, e talvez pelo reconhecimento disso eu engrandeci. Talvez o reconhecimento da nossa pequenez e de que dependemos do outro nos torne grandes. Sou pequeno, por isso sou grande. E as pessoas da cidade não percebem isso. E ainda: acham que a grandeza vem do grande. Por isso, discordo de ti, mais precisamente, discordo veementemente do que tu me disseste na carta anterior. Portanto, não te iludas com a cidade grande.


Acácia cá esteve, junto a mim. Conversamos, bebemos e, depois, transamos. A amada de teu irmão esteve nos meus braços, esquentou meu corpo e me deu mais que o seu amor. Deu-me o que era de seu irmão. Mas a vida é assim: tomamos coisas que não são nossas achando que as são; damos muitas coisas a quem não quer ou que delas não precisam; enfim, erramos. Mas temos o direito de nos redimir. Ao menos uma chance merecemos. Eu e Acácia tentamos nos redimir com a carta que enviamos ao teu irmão. Post mortem, claro, mas pelo menos aliviamos um pouco nossas consciências que, confesso, ainda pesam. Nossas desculpas foram enterradas com ele e nem mesmo o mais poderoso terremoto será capaz de exumá-las. Estou certo de que fomos perdoados. Teu irmão era um homem grande, de coração enorme. E partiu feliz, apesar de tudo.


Mas pergunto: e Alice, respondeu-te? Acredito que não. Mas perdoa-a. Com certeza, em seu caixão, haverá uma carta de resposta. E quem sou eu para te dar conselhos? Mas é por me recolher à minha insignificância que te digo: vive bem com o que tens, esquece-te do que poderias ter tido e do que terás. Vive bem com o que tens, pois aos homens não são destinadas muitas coisas nesse mundo. Esse é o maior sonho que podemos ter e é também a coisa mais difícil a ser alcançada pela nossa condição humana.


Amigavelmente,
Sr. Ruas




P.S.: Aqui reescrevo o que escrevi na carta ao teu irmão, de forma integral e precisa: 


“Minhas sinceras desculpas por roubar o que era, sempre foi e seria teu.
Ass.: Sr. Ruas




Minhas sinceras desculpas por não ter sido sua, sendo que isso foi o que sempre quis. Minhas sinceras desculpas por não ter te dado o meu amor, que sempre foi seu não sendo.
Ass.: Acácia




Nossas sinceras desculpas por sermos humanos e, por isso, temos certeza de que há de nos perdoar. Perdoa também o teu irmão, que, com toda a certeza, sofre muito mais que ti.
Ass.: Acácia e Sr. Ruas”

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Carta ao Sr. Ruas - Carta I

Meu caro amigo,


Já adianto que me sinto envergonhado pelo tempo que não dou notícias. Suas cartas se acumulam já empoeiradas em minha estante, mas guardadas com o zelo que elas merecem. Todas elas lidas de canto a canto, com cuidado inestimável, mas nenhuma delas respondida. Não por indolência, mas por motivos pessoais sérios que roubaram de mim todas as forças para viver e retribuir quaisquer gestos de estima e de amizade, como os seus. Então, minhas sinceras desculpas. Em busca de me redimir, vou lhe contar uma estória, ocorrida aqui mesmo na nossa cidade de onde já partiu, na qual ainda permaneço. Enraizado como duras raízes de velhas árvores, nunca saí daqui. Diferentemente de você, não tenho sonhos grandes e nem o talento necessário para ter esse tipo de sonho. Se os tivesse, me arrebentaria todo nos impávidos tijolos da realidade. Mas contarei uma estória dessas que não se vê comumente, muito menos na cidade grande.

O fato é que ninguém sabe ao certo quando foi que ele chegou. Alguns dizem que desceu na estação do trem próxima à Igreja, na praça onde costumávamos nós brincar quando crianças, portando apenas uma maleta de mão e uma sacola que pendia nos ombros. Outros dizem que chegou montado num jumento velho e maltratado, tão magro e sonolento que dava dó. O velho Irineu, da padaria, está certo de que já o vira quando serviu o exército. Marta, do cabaré, afirma já telo visto no bordel que trabalhava quando era jovem e ainda era capaz de levar os homens à loucura. Sr. Júlio, jornaleiro, está convicto que já o vira num jornal de tempos atrás, ao lado do governador e dançando com a mulher do prefeito. Aristeu, da pousada, diz que já o vira num dos cursos de hotelaria que havia feito vários anos atrás no norte do país. Zulmira acredita tê-lo visto no sul e Maria das Dores, no leste. Há algumas línguas perfídias que insistem que veio fugido, de polícia e de bandido. Há alguns outros que, sem mais o que fazer, espalham que ele tem uma doença incurável e que aproveita seus últimos dias no marasmo e quietude da nossa cidade. Mas ninguém tem certeza de nada e falam sobre tudo, coisa característica da nossa ignóbil condição humana.

Certa vez o vi voltando das compras. Cumprimentou-me com uma discreta mesura e continuou seu caminho, tal como eu fiz. Não parecia ter comprado muitas coisas; não parecia ser do tipo perdulário. Vestia-se com cuidado, mas sem luxo. O chapéu, apesar de velho, era limpo e parecia sempre ser escovado. As blusas, sem manchas, nunca estavam amarrotadas. Os sapatos estavam sempre bem engraxados, apesar de as solas já estarem gastas pelo uso. Seu olhar era sereno e até meio triste, daqueles que baixam as vistas e não se delongam no fitar de olhos. Mas a face já afetada pelo tempo e pelas intempéries dos destinos demonstrava uma placidez inexpugnável, diria até magnânima. Seus gestos, palavras e tom de voz eram d’uma polidez exemplar e às vezes até constrangedora para nós que, de origem simples, vemos e tratamos todos com intimidade muitas vezes inapropriada. Era de uma polidez singela, o que a tornava mais bonita.

Sabe-se que um dia, pois os boatos se espalham como piolhos em cabeleira de mendigo, aquele homem caiu na rua. Assim, de repente. Vários se juntaram para acudi-lo, alguns genuinamente prestativos e outros mais por estas convenções sociais que muitas vezes nos impelem a fazer coisas que não queremos, mas que nos sentimos obrigados a fazer a fim de evitar admoestações e reprimendas tácitas ou não. Fato é que ele caiu como uma jaca. Dali foi levado para a casa da Mãe Joana, naquele terreiro em que costumávamos nos esconder para ver os espíritos que diziam habitar por lá (me recordo que tudo que encontramos foram uns cachorros que trepavam e uma velha louca que nos atirou uma vassoura, que acabou acertando os lascivos animais). Dizem que ficou febril, mas outros dizem que tossia sangue. Talvez os dois. Como já corria pela cidade, parecia que ele ia mesmo morrer. O Doutor Saulo, médico dos bons, filho do Doutor Ernesto, que aqui trabalhava na época em que você ainda estava, tinha dado o veredicto: uma semana. Como não tinha amigos ou parentes próximos, ficou por ali mesmo, no terreiro. À noite, até mesmo eu, que moro a duas quadras da Mãe Joana, podia escutar os gritos do pobre coitado, que padecia daquele mal desconhecido e portanto sem cura.

E acabou que, profeticamente, em uma semana, o sujeito morreu mesmo. Foram feitas doações para o velório e para o enterro, pois, por mais que ele não tivesse ninguém próximo que vivesse na cidade, não merecia ser jogado em qualquer buraco ou mandado para uma cidade qualquer, como um trambolho daqueles que todos querem se livrar o mais rápido possível. No dia do velório, apareceu uma mulher. Vestida com luxo, mas sem cuidado, a dama, sob os olhares de todos, caminhou até o caixão, deixou um bilhete e partiu. Eu, por minha posição privilegiada, pude ver que ela se desfazia em prantos, que deveras sofria. Fitei o bilhete e, por incrível que pareça, reconheci a letra. Era a sua letra, meu amigo Ruas. Não aguentando de curiosidade, fui para diante do caixão. Vi como o tempo era inexorável. Pessoas vão e vêm, nascem e morrem, como coisas pequenas que, se formos comparar com tudo que existe, não são nada; nem as várias pequenezes reunidas parecem valer alguma coisa nesse momento. O fato é que me fixei no rosto do homem. Um susto! Esfreguei os olhos e olhei de novo. Impossível, mas era eu! Via meus contornos, meu queixo largo e quadrado, meus cabelos já brancos e ralos, minha cicatriz logo acima do olho e a eterna marca da aliança em meu dedo. Mas faltava-lhe um pedaço da orelha, e a minha era perfeita. Ainda assim a semelhança era assombrosa. Assustado, olhei para os outros para ver se compartilhavam do meu assombro, mas pareciam indiferentes tanto em relação à morte do homem quanto em relação a nossa semelhança. Ninguém parecia nem ao menos notar. Até que, vendo onde eu estava, todos começaram a me cumprimentar, ainda que com certo desprezo e desdém, e ofereceram-me seus pêsames. E tive de admitir, para mim e diante dos outros, que aquele era o irmão que eu tanto reneguei.

Dias depois descobri que ele viera de longe procurar por duas pessoas, mas não as havia encontrado. Quem seria a outra? Há, de fato, uma coisa que os homens sempre procuram e, pensando nisso, resolvi mandar uma carta à Alice. Ela não respondeu, como era esperado, mas estou certo de que a carta chegou. Não posso mais mandar uma carta a Manuel Carvalho, e disso me arrependo profundamente. Entristeço-me pela sua partida e pela minha covardia. Dizem, na cidade, que não valho o pão que o diabo amassou. Espalham que estou doente, tal como estivera meu irmão. Admito meu opróbrio, mas quem pensam eles que são para me condenar assim? Realmente padeço de um mal desconhecido e dia destes caí na rua, mas não houve braço a se estender em meu auxílio. Nem ao menos as obrigações sociais...Uma semana, assegurou-me o doutor. Mas agora, no fim desta carta, lhe pergunto: o que havia no bilhete que mandou ao defunto do meu irmão? Aguardo ansiosamente por uma resposta.

Atenciosamente,

Joaquim Carvalho.