sábado, 30 de julho de 2011

À procura do eu (des)conhecido



Parte V – A solidão

Na verdade, ex-vendedor de bíblias. Foram vendidas todas elas a um sebo nas imediações de sua residência, onde trabalhava um idoso já desprovido de alguns de seus dentes e da maioria dos seus cabelos. Um homem que comprava todo e qualquer livro – estivesse ele já carcomido por traças ou desgastado pelo próprio tempo – como se fosse novo, como se fosse o primeiro. “Por que vendeu os livros ao homem das lojas de sebos?”. Era a sombra, que, pela primeira vez, não assustou o sujeito. “Porque achei conveniente, ora! Que tem demais nisso?”. “Nada, penas queria saber o porquê de tal ato; e gostaria também que você soubesse”. O homem passou a refletir. Por quê havia feito aquilo? As bíblias foram todas elas repassadas a um vendedor que tinha o brilho no olhar que faltava ao nosso personagem e, talvez por isso, tenha resolvido deixar os tantos livros com ele. Identificamos muito facilmente nos outros aquelas coisas que nos faltam, ainda que, muitas vezes, não sejamos capazes de ter consciência dessa identificação. Nosso vazio reverbera quando vemos presente em alguém aquilo que nos falta. A reverberação é o grito desesperado do vazio que vê sua completude, ao mesmo tempo, tão perto e tão distante. É a ausência que reconhece a presença. Disso, concluímos que bem aventurados são aqueles que separam isso da inveja. E, provocado pela sombra, deve ter sido isso que nosso amigo concluiu nessas últimas andanças pelo seu labirinto interior. 

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