sábado, 25 de junho de 2011

À procura do eu (des)conhecido



Parte II - Descrença


“Por certo ainda estou a dormir. Donde já se viu uma sombra que fala?”. Esbofeteou-se no intuito de despertar, mas, ao abrir os olhos, percebeu que não dormia – estranhos são esses momentos em que não sabemos se estamos nós a sonhar ou a viver a realidade, ocasiões estas que nos deixam perplexos, confusos, fazendo-nos questionar ainda mais nosso julgamento de realidade. Por conseguinte, nesses momentos que se sucedem, compreendemos um pouco mais aqueles filósofos que se ocupavam da epistemologia que, amiúde, tanto criticamos por terem se voltado às questões menos importantes. Mas voltemos à nossa história, pois nosso homem, agora, encontra-se, mais do que nunca, sozinho no apartamento, desamparado, visto que nem mesmo eu, que o criei, dou-lhe a devida atenção. Agora podemos encontrá-lo a se indagar se está a ficar doido. “Se não estou a dormir, só posso estar louco!”. Enquanto isso, tinha a nítida impressão de que a sombra o olhava fixamente, como a desafiá-lo, ainda que esta não tivesse olhos ou coisa parecida. Incomodado, teve a brilhante ideia de fechar as cortinas. “Sem luz, não há sombra. Sem sombra, não há loucura, ou o que quer que seja”. Mal sabia o homem que a penumbra não era suficiente para livrar-lhe de seu tormento. Nesses casos, somente a escuridão total pode nos salvar, mas, mesmo assim, há o risco de nela se perder. Por algum motivo, a vida sempre nos impõe riscos maiores ou menores, ainda que os evitemos a todo custo. “Acha que pode se livrar de mim assim, tão fácil? De mim não pode fugir, como faz em todas as ocasiões de sua vida e com todas as pessoas que se lhe apresentam. Estarei sempre junto de você, a não ser que deixes de existir. Quer deixar de existir?”. Talvez quisesse, mas esta não era ocasião de dar espaço a tais pensamentos. “Anda, é hora de vender suas tralhas”. O homem, completamente esquecido de seus afazeres e obrigações, lembrou que, naquele dia, tinha de fazer algumas vendas. Por falta de oportunidade, não pude mencionar que nosso ilustre personagem é vendedor de bíblias, ainda que se considerasse ateu. Então, por que não pensar que sua atuação, por essência, era desonesta e, quiçá, vil? Nós, enquanto seres humanos, só temos o direito de oferecer ao outro aquilo que cremos, sejam objetos materiais ou mesmo opiniões. Caso contrário, o que fazemos é enganar os outros com um propósito qualquer, seja ele considerado bom ou mau, mas que, por assim ser, já carece da honestidade, da verdade e do respeito que movem os bons. Voltemos à nossa história, pois enquanto estávamos a refletir sobre essas coisas o homem já se punha a caminho da rua, já banhado, penteado, vestido e, ainda, assustado.

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