quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Sobre ser duplicado


Acordar, se levantar da cama e, diante de um espelho, ver-se como uma pessoa única e singular. “Como eu não há ninguém!”, pensamos e afirmamos, categoricamente. Depois disso, sorrimos satisfeitos deste pequeno consolo para a nossa existência – uma existência, no mínimo, tola. Então, somos unicamente insignificantes e medíocres. A existência de cada um de nós é tão sem sentido quanto a dos que vieram a este mundo e que ainda virão. Enganados estão aqueles que pensam que nossa trajetória por este mundo vai deixar alguma coisa para a eternidade. Assim como nossa vida, nossas ações e pensamentos são efêmeros, transitórios e finitos. Ora, não busquemos, então, deixar uma marca para a eternidade. Busquemos deixar marcas na vida de pessoas específicas (com vidas tão efêmeras quanto as nossas) em um tempo específico. Para mim já é suficiente, e é essa “pequeneza” que faz deste um grande feito. O pequeno não se transforma em grande, mas é grande por ser pequeno.

Mas imagine um dia ver-se duplicado. Ver, andando na rua, ou numa loja, ou no cinema, ou numa festa, ou num show, ou em qualquer lugar que seja, um indivíduo exatamente igual a você. Não como gêmeos idênticos, mas como duplicatas. Com o mesmo corte de cabelo, com as mesmas cicatrizes, com os mesmos trejeitos e com a mesma forma de pensar. Que faria, então, diante de tal pessoa? Que faria ela? Quem seria a cópia e quem seria o original? Haveria algum original? Como viveria a partir de então, sabendo que existe alguém exatamente igual a ti, vivendo neste mesmo mundo e neste mesmo tempo? E, depois disso tudo, que pensar da nossa frágil unicidade? Se não somos únicos, o que somos?

Diante desta situação hipotética nada original, o que cada um de nós faria? Ou, ainda, como imaginaríamos que as pessoas que conhecemos agiriam nesta situação? Como já foi dito, perderíamos a singularidade da qual tanto nos orgulhamos. Veríamos que não somos tão especiais assim. A sensação deve ser terrível. Mas vamos sair desta situação hipotética e part5r para uma outra concreta. Somos duplicados todos os dias por pessoas diferentes. “Fulano é igual ciclano”; “Veja, aquelas duas pensam da mesma forma”; “O público alvo deste CD são os alternativos”; “Tinha que ser favelado!”; “Pra estudar psicologia tem que ser meio doido”. Generalizamos e, assim, duplicamos, triplicamos. Num estádio de futebol, assistindo a uma partida, todos ali são atleticanos, ou cruzeirenses, ou mirassoienses (?). Enfim, torcedores. Ali, são todos iguais. “A torcida do atlético é fanática”; “A torcida do cruzeiro é exigente”. Nessas palavras, cada um de nós está incluído num grupo e, necessariamente, para quem generaliza, é igual aos outros. “Se você é psicólogo, logo, você é meio doido”; “Se você é torcedor do atlético, você é fanático”. O que é injusto. Sou atleticano mas não sou fanático. Sou estudante de psicologia mas não sou doido (?). Mas para a tendência e necessidade categorizadora humana, sou tudo isso que disse não ser. Para os outros. E sentimo-nos ofendidos com tal categorização. Afinal, sou estudante à minha maneira; torcedor à minha maneira. Paradoxalmente, para mim, estudante é tudo a mesma coisa, torcedor é sempre igual e emo é sempre emo. Odiamos ser categorizados, mas fazemos isso com os outros (tal como acabei de fazer com os emos). Assim, em todos os lugares, teremos alguma duplicata, seja em um ou mais aspectos.

Perdemos um pouco da nossa identidade a cada encontro. Portanto, ela se encontra fragmentada: um pedaço cá, outro acolá e um outro num lugar desconhecido. As identidades se fragmentam e se reúnem, mesclam-se, condensam-se e separam-se de novo. Somos menos originais do que imaginamos. Somos menos singulares do que gostaríamos. Mas ainda assim, de uma forma ou de outra, somos únicos. Somos suficientemente únicos para nós. À nossa maneira. Mas, ao mesmo tempo, insuficientemente únicos para o outro e, consequentemente, em alguns momentos, para nós mesmos. Então, contínua e ininterruptamente, tentamos provar nossa singularidade e, em alguns momentos, até mesmo criá-la, pensando que ela não existe. Estaremos sempre diante da dúvida entre “ser”, “não ser”, “tentar ser” e “provar ser”. Até o fim dos nossos dias.

Rafael de Paula

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Sobre não ser


"'Não ser' é 'ser'. 'Não ser' significa 'ser' o 'não ser'. Então, na pior das hipóteses, se 'é' o 'não é', ainda que achemos que 'nada somos'".

Rafael de Paula

domingo, 9 de janeiro de 2011

Sobre votos e esperanças do Ano Novo

“Que esse ano que chegou traga muitas felicidades e realizações”. A mensagem é linda. Dizemos isso a todas aquelas pessoas que gostamos na virada do ano (se falar alguns dias antes ou alguns depois também vale) e, na maioria das vezes, esses votos são realmente sinceros. Não acho tais felicitações hipócritas ou vãs. São felicitações mútuas entre pessoas que se gostam (claro que pode haver algum toque de falsidade e hipocrisia, mas tais sentimentos merecem apenas esse anexo neste texto. Deixar-los-ei para trás, jogados e esquecidos). Ano novo, natal, aniversário, todas essas datas comemorativas (dentre outras das quais não me recordo) nos proporcionam um momento oportuno para desejar coisas boas às pessoas. Coisas que gostaríamos de falar sempre que não encontram muitos momentos para serem ditas. Imagine uma pessoa que, ao chegar no trabalho, cumprimente cada um, todos os dias, e deseje saúde, paz, felicidade, amor, dinheiro, dentre outros. São votos implícitos, num acordo tácito, que não necessitam ser ditos todos os dias ou até mesmo em ocasiões especiais. Se gostamos de alguém, revelar-lhe que queremos o seu bem é algo inútil e até redundante: gostar é querer bem. Mas pela tradição, fazemos isso e continuaremos a fazer, até o dia em que as pessoas percebam que basta dizer “gosto muito de você”.

Dito que o Ano Novo é apenas uma oportunidade de desejar bem às pessoas queridas e amadas, que dizer das nossas promessas (geralmente nunca cumpridas) para o ano que acabou de chegar? “Vou estudar mais”, uns dizem. “Vou ser uma pessoa mais calma”, dizem outros. O que realmente muda na passagem do dia 31 de Dezembro para o dia 1 de Janeiro? Em nós, praticamente nada. É só a esperança que se renova. É a esperança de ter um ano melhor do que tivemos. Assim, a própria festa de réveillon ou mesmo a ceia natalina entram no campo do simbólico. Elas representam essa renovação da esperança. E festejamos – sim, festejamos a esperança. E ao festejá-la, a colocamos em um patamar mais elevado. Jogamos para o simbólico um pouquinho das responsabilidades de trazer coisas boas na nossa vida. É como quem diz: “To cansado de ficar correndo atrás de tudo. Então, me dá um pouco, por favor?”. Afinal, “esse ano as coisas têm – sim, não me adaptei às novas regras gramaticais – de melhorar!”. Ora, sem esperança não chegamos a lugar algum. Mas porque não renovar a esperança a cada dia? Porque não traçar metas maiores para o dia seguinte ou para a hora seguinte? Porque deixar isso ao encargo de um algo que existe no “ano novo”? É um algo que, diante de uma impotência natural do ser humano, acalma nosso espírito. Mas, no fundo, isso tudo é um pouco de desespero. De todos nós.

Rafael de Paula