sábado, 16 de julho de 2011

À procura do eu (des)conhecido


Parte IV – O infinito

Em casa, descansava. Absorto, não via o passar das horas e nem ao menos percebia o tempo que perdia a pensar em nada. Pensava no futebol, na novela e no cão que pretendia comprar. Que precisava de um cão era certo. É bem provável que tanto a novela, o futebol quanto o cão eram modos alternativos de preencher-lhe os buracos que existiam no peito. Na procura de alento para a solidão, buscamos, muitas vezes, desesperados, objetos materiais ou simbólicos que possam nos livrar desse mal. Ainda sim, sempre objetos. É assim que acabamos por nos alienar e nos preocupar com as coisas frívolas: procurando objetos para nos tapar os buracos do coração e as angústias da alma, esquecemos-nos de encontrar os sujeitos. Assim, objetificamos a nós mesmos e aos outros. Sujeitamos o sujeito à objetificação, tendo como objetivo o objeto sujeitado. Reificamos corpo, mente e espírito, tanto próprio quanto do outro, não nos permitimos acesso ao conhecimento da alteridade e passamos a viver num mundo de coisas e objetos, de seres humanos petrificados por nosso próprio olhar. Tal como fazia a Medusa, da mitologia grega. Assim, mais cedo ou mais tarde, encontraremos nosso Perseu. Era o que fazia o indivíduo dessa história mas, por ora, o algoz de nosso infeliz homem não chegou e, talvez, nós, os construtores dessa narrativa, sejamos capazes de salvá-lo da perdição.

Voltemos à sombra, que, com nossa demora, já se encontra impaciente para falar. “No que pensa?”. Ainda não acostumado às intervenções repentinas e inoportunas da sua nova e inseparável companheira – que, na penumbra, mal podia ser delimitada – foi incapaz de dissimular o susto. “Até hoje continua a se assustar quando resolvo falar?”. “Claro, o que não é de se espantar. Afinal, não conheço viva alma que alguma vez me tenha relatado conversar com a própria sombra”. “De qualquer modo, no que pensava antes de eu te assustar?”. “Nada que valha a pena. Mas agora penso na solidão”. “Realmente, tem passado muito tempo sozinho. Que fez de suas antigas companhias, tal como seus pais e amigos?”. “Eu, nada. Apenas nossos caminhos se desviaram e, por isso, me encontro só”. “Talvez porque fuja”. E talvez fosse mesmo. A partir daí, os pensamentos do homem passaram a tomar esses rumos, caminhos do questionamento do porquê da solidão. Tal como toda reflexão, não é certo que se chegue a uma resposta. Muito pelo contrário. São maiores as chances de emergirem mais questões. Mas são essas indagações que levam, infinitamente, a outras indagações, que nos colocam em movimento infinito; talvez aí sejamos capazes de superar o finito que limita nossas existências na Terra. Não na imortalidade do ser – porque aí já estaríamos a partir para outros campos –, mas na infinitude irradiante da pergunta – de um ser para si mesmo e de um ser para o outro – infinitamente repetida. É possível que seja a pergunta a grande responsável por colocar o mundo em movimento. Se não o mundo, pelo menos a vida do nosso vendedor de bíblias.

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