Lá se vai um bom tempo que não
passo por aqui. Um ano, talvez, pois a memória já encontra dificuldade para
recordar certos fatos. O fato é que lá se vai muito tempo. Pergunto-me,
ocasionalmente, o porquê disso, buscando insistentemente - e de um modo
tipicamente meu - os “porquês” e as explicações causais de tudo. Faz-se
necessário, acredito, começar do início: faltava-me inspiração. Entretanto,
inspiração me parece termo de escritor que precisa produzir algo e, diante de
questionamentos e críticas referentes à sua improdutividade, justifica-se pela
falta de inspiração. Não tenho a
obrigação de escrever e não vivo disso, então me parece errôneo justificar pela
falta de inspiração. Nesse momento outro aspecto me vem à cabeça: parece-me que
inspiração não é apenas uma “coisa” que se tem que nos legitima a escrever uma
prosa ou uma poesia ou palavra qualquer: não posso limitar esse termo a esse uso (por mais bonito
que seja). A inspiração pode se revelar em uma palavra a um amigo ou parente ou
namorada; em um modo cuidadoso de arrumar o quarto; em um jeito diferente de
abraçar quem quer que seja; em um jeito atencioso de brincar com uma criança; em
mandar poesias e músicas a uma certa pessoa pelo simples fato de se
lembrar dela; em um olhar cheio de maravilha para algo que é radicalmente belo; e –
não para fechar a lista, mas apenas para pontuar algumas situações – manter
firme a certeza da beleza dessa coisa misteriosa e, de certo modo, mágica, que
é a vida em si mesma. Nesse ponto chego à conclusão que a inspiração eu não
perdi. Percebo agora que o que me faltava era a urgência de escrever, aquele
grito silencioso que vem do fundo da nossa alma e que exige, contra tudo e
contra todos, a sua expressão por meio dessa dádiva que é a palavra.
Estes foram tempos em que me
reencontrei com as lágrimas. Tinha me esquecido da minha capacidade de chorar e
redescobri que a lágrima é forte. Forte não porque ela comove o outro (se bem
que isso é um exemplo de força: a capacidade de fazer com que o outro se mova
junto comigo, que ele “co-mova”), mas porque em certos momentos ela expressa um
sentimento e uma experiência que palavra nenhuma é capaz de expressar de modo
tão preciso e tão justo. Certas vezes estamos, de um modo inexplicável, em
momentos de afinidade com as palavras, mas eu me encontrei em um momento de
afinidade com a lágrima. Lembrei-me, finalmente, do gosto das minhas lágrimas; do
peso delas; da capacidade transformadora que elas têm; da sua força expressiva.
Hoje eu posso dizer que sou uma pessoa que chora e isso, de algum modo, dá-me a
sensação de que estou mais próximo, vivencialmente falando, do humano. Hoje não
é cisco e não é chuva: é choro mesmo. Da lágrima brotam infinitas palavras. Tem um pouco disso: aproximar-se do humano é se aproximar do infinito, de
forma que hoje estou mais perto dele, ainda que infinitamente distante. Apesar de todas as perdas, infinitos ganhos. Ainda que menos íntimo da palavra escrita, sinto-me mais perto da palavra sentida: ganhei a lágrima sem perder a palavra. Gratidão.