sábado, 28 de agosto de 2010

Sobre (tentar) fazer a coisa certa

Assim é a vida: como uma luta de boxe. As cordas são as pessoas que nos cercam e nos apóiam; o ringue é o efêmero elemento espacial que delimita nossas – quase – insignificantes existências; os rounds representam o – inexorável – tempo; os juízes são as leis morais que tentam nos controlar, sejam eles obedecidos ou não; a platéia são as pessoas que vemos todos os dias que, de forma quase invisível, nos aplaudem ou vaiam; e o adversário é a vida. Seguida e repetidamente fazemos coisas pelas quais somos punidos pelos punhos da vida. Como um boxeador implacável, a vida nos joga no chão e nos deixa de joelhos. Todos caímos uma hora ou outra. Isso é inevitável. O maior desafio é encontrar forças para levantar e continuar lutando. Não é vergonhoso apoiar-se nas cordas do ringue para se reerguer; vergonhoso é continuar de joelhos enquanto o juiz faz a contagem, uma posição aonde a vida não pode mais te surrar, mas uma posição que nunca vai levá-lo à vitória. Uma hora ou outra a gongo soará, declarando o final da luta. Quem está de joelhos pode ter apanhado menos do que quem está de pé; mas quem apanhou mais pode ter vencido a luta.

De qualquer forma, ainda que apanhemos, há um conjunto de fatores que nos fazem resistir mais ou menos às pancadas desse lutador implacável que é a vida. Quando acreditamos fazer a coisa certa, resistimos mais às intempéries do destino, encaramos a vida de forma mais tranqüila e feliz, não ligamos de cair e se reerguer quantas vezes forem necessárias. Acreditar fazer a coisa
certa é mais que um simples consolo: é um objetivo de vida admirável. Deitar a cabeça no travesseiro e ter a certeza de ter feito algo errado (cuidado: o erro é plural, relativo e variável) nos traz um sentimento quase insuportável de culpa, remorso, fraqueza e tristeza. É melhor deitarmo-nos tranqüilos e serenos em nossas camas, ainda que irremediavelmente (?) machucados. Claro que não podemos tudo; definitivamente acredito que há coisas impossíveis. Mas como
saberemos se é possível ou não? A resposta é fácil. Fácil demais. O difícil é fazer. Porém, se o "fazer" fosse fácil, a vida não teria graça e nossos atos não teriam nada de admirável ou glorioso. As tentativas são nossos pequenos passos na tortuosa estrada que leva ao sentido da vida. Ainda bem que os passos são pequenos: por ora, não quero achá-lo. Meus sinceros e honestos pêsames aos que encontraram o sentido da vida.

Rafael de Paula

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sobre Rocky

Adianto, desde já, que sou fã da série Rocky. A produção não tem nada de mais, o enredo é simples e os atores variam entre nível médio e ruim (sim, até Silvester Stalone se encontra neste grupo). Ainda assim, gosto muito de todos os filmes da série, e há algum tempo venho me perguntando o porquê. Já tenho uma teoria, mas pretendo desenvolvê-la nesse texto. Afinal, é tentando colocar no papel e tentando explicar para os outros que, sem perceber, elaboramos ainda mais nossas idéias e enriquecemos nosso pensamento. Não entremos nos deméritos da indústria Holywoodiana: as coisas boas da série superam o patriotismo – quase – exacerbado presente no filme. Além do mais, há tantas coisas criticáveis no filme que elas não caberiam aqui. Fica para a próxima.

Rocky Balboa é um lutador de boxe do subúrbio da Filadélfia cujo nome de lutador é Garanhão Italiano (pela sua descendência italiana, não tão obviamente quanto pode parecer). É sempre criticado por seu treinador (Mickey) por estar desperdiçando seu potencial e parece estar satisfeito em lutar regionalmente. Rocky é um homem de pensamento extremamente simples e que não sabe fazer muitas coisas além de lutar. Ele é grande, forte, mas é burro. E
ntretanto, é essa simplicidade de pensamento que faz com que ele diga algumas das coisas mais sábias e geniais do cinema: é por ser simples que ele vê o óbvio, aquilo que todo mundo complica e/ou se recusa a ver. Assim como outros personagens, como Forrest Gump, Rocky é um dos imbecis mais geniais do cinema. Visto por esta ótica, Rocky é um exemplo de homem: simples, bom e puro. É claro que a criação do personagem tem interesses menos dignos, mas não falarei sobre isso aqui. Falarei apenas que é interessante Rocky virar um modelo de comportamento e modelo de homem.

Voltando a falar sobre o primeiro filme (Rocky, o Lutador – 1976), Rocky recebe um convite do campeão mundial dos pesos pesados (Apollo Creed) para uma luta de “exibição”, ainda que valendo o cinturão. Escolhido apenas por possuir um nome bonito e garboso, o Garanhão Italiano tem a chance de se realizar na carreira de boxeador. Ainda que assolado pela dúvida e pelo medo, Rocky aceita o convite do campeão e passa a treinar como nunca. O talentoso boxeador desperdiçado nos subúrbios da Filadélfia encontra um objetivo maior e, com isso, a motivação para treinar a sério. O campeão, que não esperava nada do seu oponente e nem que ele ameaçasse seu título, não sabia que tinha escolhido a pessoa errada para a sua exibição. É aí que está o bonito de Rocky: um homem simples e bom que nunca desiste dos seus objetivos, mesmo que todos duvidem dele (e que ama sua mulher, Adrian, acima de tudo). Inclusive, em todos os filmes, há o mesmo roteiro: surge um desafio, seguido por uma dúvida sobre a capacidade de alcançá-lo, depois a decisão de enfrentar tudo e todos e, no final, a superação, dedicada à Adrian. A trilha sonora é emocionante e as conquistas do sábio imbecil são ainda mais. Não desistir dos seus objetivos, lutar até as suas últimas forças, encontrar forças aonde aparentemente não há nada, ser bom, ser simples e ser feliz são as lições dadas por Rocky Balboa.

O filme pode ser considerado idiota, mal produzido, nacionalista/patriota, anti-comunista, pró-violência, machista, tradicionalista, dentre outros, mas ainda assim a lição principal do filme pode ser utilizada como um argumento contra tudo o que for criticável na série. Se é para ir contra os EUA, lute e não desista, não importa o que digam; se for para combater o machismo, faça o mesmo; se for para criticar o capitalismo, faça o mesmo; se for para criticar o patriotismo, idem. Daí a minha admiração pela obra.

Para terminar, uma das frases mais excepcionais do cinema: “Yo Adrian, I did it!”. Que isso seja uma lição e uma meta para todos.

Rafael de Paula


*Ao todo, são 6 filmes: Rocky, o Lutador (1976), Rocky II (1979), Rocky III (1982), Rocky IV (1985), Rocky V (1990) e Rocky Balboa (2006). Indico todos os filmes e também vale a pena conferir a trilha sonora, feita, em sua maior parte, por Billl Conti.

**O primeiro vídeo é uma conversa entre Rocky e seu filho - de nome nada criativo - Robert Rocky Balboa Jr., que mostra a profundidade simples do personagem de Stallone.


***O segundo é a cena da histórica frase “Yo Adrian, I did it”, que sintetiza a mensagem principal da série.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sobre escrever


Às vezes somos assolados por uma vontade incontrolável de escrever. Ela simplesmente vem, sem qualquer aviso. Nos pega de surpresa, chega sem bater à porta. Daí sempre vem aquela mesma pergunta: escrever sobre o quê? Procuramos aqui e acolá; pensamos em música, livros, filmes, histórias, futebol, política (?), novela (??). Mas nada nos parece suficientemente interessante – ou então não temos nada interessante o suficiente para escrever. Eis que, repentinamente, temos aquele insight e o tema tão procurado surge do nada, como se fosse por geração espontânea, recompensando o tremendo esforço mental antes destinado à procura de algo para dizer. Daí vem o alívio.

Escolhido o tema, começamos a escrever de forma frenética. As idéias saem aos borbotões: desorganizadas, confusas, dúbias. Não importa: o importante é não perder o essencial, ou seja, segurar as idéias antes que elas desapareçam (nossa mente é assim, se não usamos logo uma boa idéia, ela logo se perde, dando lugar a outros pensamentos muitas vezes menos produtivos e dignos de qualquer registro). Traçado o esboço, começamos a lapidar a pedra que, aos poucos, começa a tomar forma. Contudo, o texto pode tomar uma forma inesperada, traçar caminhos que não sabíamos existir. Satisfeitos ou não, ficamos estupefatos com os desvios da estrada, ainda que o fim último da palavra tenha sido alcançado. E o texto está pronto, esteja ele bom ou ruim.

Mas de onde vem essa vontade de escrever? É tudo força de idéias e sentimentos que não suportam mais o cárcere? É como se as idéias clamassem, desesperadas, pela liberdade que nunca tiveram. É por isso que saem como uma turba, ávidas por serem registradas em qualquer lugar. No fim, é tudo necessidade de canalizar o nosso “turbilhão mental”. É uma vazão quase inconsciente que pode se expressar de várias maneiras distintas, não podendo ser ignorada. Esse turbilhão pode conter idéias boas ou ruins, mas vale a pena arriscar. Afinal, uma grande idéia costuma aparecer uma só vez. E grandes idéias são coisa rara de se ver.

Rafael de Paula