segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Batidas


Ela ainda se movia discreta e sutilmente, como se não tivesse aceitado aquela partida inesperada, indiferentemente acontecida; acostumada como estava a ser batida, esmurrada, estapeada, violentada, desta vez não havia sido ao menos tocada e tamanho era o seu descontentamento diante de tanta indiferença que ela aproveitava a gelada e leve brisa para tornar visível o seu antes sempre silencioso e inerte debater. Quando a própria brisa já havia, há muito, cansado de soprar, foi tocada e subsequentemente posta, de forma muito delicada e despreocupada, naquele que parecia ser o seu lugar de origem, onde parecia ter sido feita para estar. Contudo, não havia ali liberdade alguma, como se no conforto estático, resignado e humilhantemente conformado, como se nessa condição houvesse certa inconformidade travestida de inércia, que, de tão pequena e insignificante, se tornara imensa.

Recebeu um leve toque do mesmo lado de onde aquela gélida brisa havia voltado a soprar, frieza que o próprio tempo já havia transmutado em frescor. A sensação proveniente do toque não pôde ser devidamente avaliada devido à sua fugacidade titubeantemente apressada; o que sentiu foi apenas um desconforto provocante, e nada mais. De repente recebeu uma pancada - do lado oposto ao da brisa glacial - dessas que fariam o mundo tremer por inteiro. Ela balançou. Novamente sentiu o toque que antes recebera, mas desta vez mais duradouro, e percebeu que era de uma insegurança morna, que contrastava com o frio do ar que sempre a atingia daquele mesmo lado. Mais uma estrondosa pancada de um lado, enquanto o toque permanecia do outro: por isso ela se mantinha resoluta, inabalável, invencível, e do estrondo que havia sacudido a existência de tudo, sentiu apenas um eco, um leve reverberar de uma poderosa força que a atingia, mas não a trespassava; neste momento em que o universo tremeu todas as suas criaturas se indignaram: aquele que a tocava, que a segurava, não tremia, parecendo desafiar todo o fluxo e toda a ordem natural das coisas. Era um desafio insolentemente obstinado.

A pancada não veio mais e o toque desapareceu. Depois da violência veio a chuva e junto com ela barulho de mar. A água e o sal , a maresia, têm seu modo peculiar de agir no mundo. Não a percebemos com clareza, apenas vemos seus estragos, muitas vezes sem saber que ela mesma é a causa da destruição que percebemos. Depois veio o fogo que, tal como a maresia, nada pôde fazer. A brisa, por sua vez, antes tornada morna pela convivência, tornou-se fria e, por isso, insuportavelmente fria. De onde vinha a pancada, a maresia e o fogo, não veio mais nada, enquanto o toque voltou e permaneceu: não sabia muito bem se para mantê-la fechada ou na espera de abri-la. Talvez as duas coisas, ao mesmo tempo. A calmaria, por sua vez, permitiu perceber que no inverno havia ainda vestígio de um calor, esperançoso, que se revelava em uma tímida batida apenas auscultável.



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